No carro, ‘nos matos’ ou no barbeiro: como as sessões híbridas impactam na atuação parlamentar no CE
Formato adotado durante a pandemia da Covid-19, a possibilidade de participação remota se consolidou no Poder Legislativo
Foto-José Leomar/SVM

Durante os primeiros meses da pandemia da Covid-19, as sessões legislativas passaram a ter um cenário diferente: o tradicional plenário das Casas deu lugar às diversas telinhas dos parlamentares que se reuniam de forma completamente virtual por videochamada.
A diminuição do número de casos atrelada à cobertura vacinal contra a doença fez com que o Legislativo adotasse um formato híbrido, com a presença de parlamentares no plenário, mas também a possibilidade de participação remota.
Muitos vereadores ou deputados optaram pela participação direto dos gabinetes, em escritórios em casa ou mesmo em deslocamento dentro de carros, por exemplo. Mas o novo formato também permitiu a existência de momentos inusitados, como quando o deputado estadual Osmar Baquit (PDT) acompanhou parte da sessão da cadeira do barbeiro – e chegou a fazer aparte na fala de um colega.
Parlamentares cearenses apontam, no entanto, que a alternativa de acompanhar e participar das sessões também de forma virtual confere liberdade às atividades realizadas no Legislativo.
Seja para realizar atividades externas, como reuniões com secretários, seja para uma maior presença em comunidades na Capital ou em cidades do Interior cearense, por exemplo. “O mandato não é só no plenário, se faz também nos municípios”, resume o deputado estadual João Jaime (PP).
Por outro lado, os parlamentares apontam que existem prejuízos ao debate, principalmente em temas mais controversos. “Não estar presente no plenário tira o calor da discussão. Quando forem discussões mais importantes, tem um prejuízo”, considera o vereador de Fortaleza, Michel Lins (Cidadania).
O QUE DIZEM AS REGRAS DAS CASAS LEGISLATIVAS?
A necessidade de isolamento social imposta pela pandemia da Covid-19, ainda em 2020, fez com que as sessões virtuais no Legislativo, e em outras esferas do Poder, fossem obrigatórias. As Casas precisaram adaptar as próprias regras para encaixar esta nova demanda.
Passados quase três anos do início da crise sanitária, “não tem mais como ter Plenário sem sessão híbrida”, argumenta o vereador Adail Júnior (PDT). Inclusive, como “ferramenta necessária que amplia a possibilidade de participação dos parlamentares na sessão”, completa a vereadora e deputada estadual eleita Larissa Gaspar (PT).
Como forma de se adaptar a este novo modelo de funcionamento, tanto a Câmara Municipal de Fortaleza como a Assembleia Legislativa do Ceará incluíram a previsão de sessões híbridas em seus respectivos regimentos internos.
No legislativo estadual, os parlamentares podem participar das sessões tanto de forma física como pela plataforma de reunião virtual, sendo permitido não apenas marcar presença como também votar e se manifestar. Contudo, existe uma limitação: a participação remota deve ocorrer em, no máximo, metade das sessões extraordinárias.
No caso de sessões extraordinárias, a participação virtual será autorizada apenas com justificativa fundamentada apresentada à presidência da Casa.
No caso do parlamento da Capital, as regras para a sessão remota não oferecem as mesmas limitações. O regimento passou a prever uma série de situações em que, conforme decisão da Mesa Diretora da Câmara, podem ser realizadas sessões tanto em formato exclusivamente virtual como híbrido – com participação presencial e remota.
Até o último Ato da Mesa Diretora, que tem responsabilidade de regulamentar a questão, sobre o assunto, as sessões da Casa permaneciam híbridas. A tendência é que isso seja mantido para 2023.
NOVA FERRAMENTA PARA O TRABALHO LEGISLATIVO
Os parlamentares citam o formato híbrido não apenas como uma adaptação e modernização, mas também como ferramenta para o trabalho do parlamentar. “Na minha avaliação, ajuda, porque às vezes, (o vereador) precisa fazer visita a uma secretaria ou à comunidade e consegue estar presente na sessão, mesmo que de forma não presencial”, avalia a vereadora Cláudia Gomes (PSDB).
Ela cita, inclusive, que contribui na rotina dentro da própria Câmara Municipal. Antes, cita ela, quando precisava descer até o próprio gabinete ou resolver alguma pendência com a presidência da Casa, por exemplo, o vereador “ficava sem ter contato com o plenário”. “Não podia participar, só ouvia. Agora, temos acesso”, afirma.
Com forte base eleitoral no Interior cearense, o deputado João Jaime considera que o formato é uma “evolução”. “O mandato não é só no plenário, se faz também nos municípios. A sessão híbrida permite que todos participem mesmo não estando no local”, ressalta.
“Só não participa das (sessões) híbridas se não quiser”, concorda o vereador de Fortaleza, Adail Júnior (PDT). Para ele, o formato é a “principal ferramenta de fortalecimento do debate” no legislativo, ao permitir que mesmo ao precisar se ausentar – inclusive para atividades do próprio mandato – o parlamentar continue a “ter oportunidade de votar, de discutir, de fazer pronunciamentos”.
“Isso porque muitas vezes há necessidade dos parlamentares se reunirem com secretários estaduais, prefeitos, de estar presente nos municípios do interior, dificultando a participação presencial na sessão. O que não ocorre se tem a possibilidade de acompanhar virtualmente o andamento da sessão, participando com suas colocações e registrando seus posicionamentos por meio do seu voto”.
LARISSA GASPAR
Vereadora e deputada estadual eleita
Um dos exemplos que pode ser citado é do deputado estadual Delegado Cavalcante (PL) entrou na sessão da Comissão Especial da Enel, em maio de 2022, de forma remota e e disse estar, naquele momento, “nos matos” do município de Maranguape “defendendo os cidadãos de bem” de facções criminosas.
A IMPORTÂNCIA DO PRESENCIAL
O deputado Renato Roseno (Psol) ressalta a importância da maior liberdade oferecida pelas sessões híbridas principalmente para parlamentares com maior territorialidade e precisam estar mais presentes nos municípios.
Apesar disso, ele acrescenta, é importante terem sido estabelecidas regras como a que limita a participação remota a 50% das sessões. “É razoável”, opina. “Mas a discussão de determinadas questões, tem que ser presencial. Não são transferíveis”.
Ele cita que, em “debates mais sensíveis para o governo”, por exemplo, a presença é importante e principalmente quem é crítico a essas medidas, “vai estar abrindo mão” da discussão caso participe de forma remota. “A política que vai dar o ritmo”, finaliza.
A deputada Dra. Silvana (PL) considera que a discussão presencial “inspira mais” o parlamentar. O formato híbrido, continua ela, muitas vezes “inviabiliza” a articulação em torno de temas relevantes.
Ela cita como exemplo as conversas individuais que ocorrem nos corredores e no próprio plenário da Casa legislativa e que não são possíveis de forma remota.
“Sou um dos vereadores que pouco participa de forma híbrida. Acho o presencial melhor para o debate, para a compreensão da matéria, para observar mais”, afirma o vereador Lúcio Bruno (PDT). Ele ressalta, no entanto, que essa é uma percepção individual e que o legislativo de forma geral “se adaptou a trabalhar no formato híbrido”.
Michel Lins considera que “tem prejuízo” nas participações remotas “quando forem discussões mais importantes” para o parlamento. Co-vereadora no mandato Nossa Cara, Adriana Geronimo (Psol) concorda que existem temas que “precisam ter um debate qualificado”. “(O formato híbrido) Não é a mesma coisa do presencial, não é a mesma qualidade”, aponta.